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Quando o amor tem quatro patas: a volta da Cãoterapia no Hospital Nossa Senhora dos Prazeres

Alegria, acolhimento e cuidado que não se mede apenas com exames. O Hospital Nossa Senhora dos Prazeres retomou oficialmente a Cãoterapia, uma prática que integra a política de humanização da instituição. Duas vezes por mês, pacientes, acompanhantes e profissionais recebem a visita da Moana, um cão terapeuta que, com muito carinho e simpatia, contribui para transformar o ambiente hospitalar e promover bem-estar emocional a quem mais precisa.

Na porta do quarto, o som das patinhas ecoa leve, mas é capaz de preencher o ambiente com algo que medicamento nenhum entrega: conforto, afeto e esperança. Ao cruzar os corredores da UTI ou das enfermarias, a chegada de Moana — um cão da raça American Staffordshire Terrier, carinhosamente chamada de “Momo” — transforma o hospital em um espaço mais humano, acolhedor e cheio de sorrisos.

Para quem está internado, especialmente por longos períodos, a rotina hospitalar pode ser pesada, marcada pela saudade de casa, pelo medo e pela ansiedade. E é exatamente nesse ponto que a presença da Moana faz toda a diferença.

“Percebemos uma mudança real no humor dos pacientes. Eles ficam mais alegres, mais dispostos, menos ansiosos. O impacto é imediato. Ela ajuda a enfrentar sintomas de depressão, ameniza a solidão e até encurta, emocionalmente, o tempo da hospitalização”, explica Helena Cristina da Silva, psicóloga do HNSP e uma das responsáveis pelo projeto. “O benefício é ainda mais perceptível em pacientes acamados, que estão há muito tempo internados ou enfrentando quadros de ansiedade e depressão. E mesmo quem não tem uma relação próxima com animais sente o efeito que ela traz para o ambiente.”

E não são só os pacientes que se beneficiam. A energia da Moana contagia quem cruza seu caminho. Profissionais param por alguns minutos, fazem um carinho, registram o momento e seguem seu trabalho com o coração mais leve. “É incrível ver como ela muda o ambiente. Recebemos até pedidos da equipe perguntando quando será a próxima visita”, completa Helena. “A Cãoterapia também faz parte das práticas previstas na Política Nacional de Humanização, e isso tem impacto direto no enfrentamento do estresse, da ansiedade, na diminuição da tristeza e no fortalecimento do vínculo social dentro do hospital.”

A psicóloga reforça que a Moana não leva apenas alegria, mas cria um elo entre o paciente e aquilo que ele sente falta do lado de fora. “Principalmente quem tem animais de estimação em casa sente esse acolhimento de forma muito intensa. A visita dela é como se, por alguns minutos, o quarto se transformasse em um pedacinho de lar.”

Todo esse cuidado, no entanto, é acompanhado de protocolos rigorosos de segurança, tanto para a Moana quanto para os pacientes. A assistente do Serviço de Controle de Infecções do HNSP, Daniane Rodrigues de Farias, explica que a Moana tem acompanhamento veterinário constante, esquema vacinal completo, é desverminada e toma banho antes e depois de cada visita. Além disso, só entra nos quartos de pacientes liberados pelos médicos, que não estejam em isolamento ou com qualquer tipo de restrição clínica. “Durante a visita, também fazemos a higienização das mãos dos pacientes, tudo para garantir a segurança de todos, inclusive da Moana”, reforça Daniane.

Moana: mais que um cão terapeuta, uma história de amor e superação

A história da Moana é, por si só, um ato de resistência, afeto e quebra de preconceitos. Sua tutora, Giselle Dias, é psicopedagoga e especialista internacional em Intervenções Assistidas por Animais, e conta que, por estar no Espectro Autista, isso proporciona a ela um olhar sensível sobre inclusão, acolhimento e diversidade — princípios que norteiam tanto sua vida quanto o trabalho desenvolvido com a Moana.

“A Moana é um fruto da pandemia, de ficar em casa sem ter o que fazer e decidir procurar alguma coisa pra me envolver. Eu já era profissional da APAE, então descobri a especialização internacional em Terapia Assistida por Animais”, conta Giselle.

Ela explica que a escolha da raça foi proposital. “A Moana foi selecionada na ninhada com 35 dias. E eu não quis um labrador ou um golden, que são os mais comuns, justamente porque eles são aqueles cães que você se apaixona só de olhar. Eu, como autista, já sou vista de forma diferente. E, infelizmente, os cães da raça dela também são. Então eu queria que ela, assim como eu, mostrasse que somos muito mais do que os rótulos que colocam na gente”, conta Giselle, visivelmente emocionada.

Com um ano e meio, a Moana iniciou o processo de estágio para descobrir em que ambiente ela se sentiria mais confortável atuando — se em hospitais, APAE ou asilos. “E, pra minha surpresa, ela gostou de todos. Vai da criança ao idoso, e trabalha muito bem com qualquer público”, relata.

Quando foi certificada, com dois anos e dois meses, Giselle decidiu procurar o Hospital Nossa Senhora dos Prazeres para apresentar o projeto. “A gente mostrou toda a documentação, e pra minha surpresa, o hospital aceitou. Isso me emocionou muito, até porque a Moana é, até hoje, o único cão no Brasil com a acreditação de cão de serviço dentro desse padrão internacional, que é lei fora do Brasil, mas aqui ainda não.”

Giselle conta que a Moana muda completamente seu comportamento quando está no hospital. “Ela é uma cachorra normal em casa: corre, cava, brinca. Mas colocou o colete, ela se transforma. Aqui, ela entende que tem um trabalho. Ela até reconhece o caminho. Uma vez, trouxe meu pai para uma cirurgia e entramos por outra recepção. Ela ficou puxando, querendo ir pra recepção que ela está acostumada, como se dissesse ‘Meu trabalho é lá’. Ela ama estar aqui, fica ansiosa quando percebe que vamos demorar pra entrar.”

E, se para Giselle já é emocionante viver tudo isso, há momentos que ficam eternizados na memória. Ela se emociona ao lembrar da primeira visita que fizeram ao hospital. “O paciente, que era médico veterinário, estava muito ansioso, com a pressão alta, sem conseguir fazer a cirurgia cardíaca. Nós brincamos, ele jogou bolinha, deu ração, e eu disse: ‘Escreve aqui no colete dela um desejo seu, o que você quer que aconteça depois da cirurgia’. E ele escreveu: ‘Ver você de novo, Moana’. Aquilo me tocou profundamente. E sim, ele conseguiu fazer a cirurgia, foi um sucesso.”

Ela lembra também de tantos outros pacientes que, após receberem alta, continuam acompanhando a Moana pelas redes sociais, mandam mensagens, compartilham como aqueles minutos ao lado dela fizeram diferença no processo de recuperação.

Ao olhar para tudo que construíram juntas, Giselle não esconde o orgulho: “Eu costumo dizer que tenho o melhor trabalho do mundo. Porque é gratificante enquanto pessoa e enquanto profissional. A Moana foi desacreditada durante todo o processo, até na especialização. Chegou na final com um labrador e um golden. E quem passou foi ela, um pitbull. Foi um choro só. E isso só prova que, assim como muitas pessoas, ela também é muito mais do que um rótulo.”

Para quem está internado, longe de casa e das pessoas que ama, a presença da Moana representa mais do que uma visita. É um abraço silencioso, uma pausa na dor e uma lembrança de que, mesmo em meio aos desafios, o amor e o cuidado sempre encontram um caminho para chegar até quem precisa.

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