Notícia no Ato

Luiz Alfredo Ribeiro (1944 – 2022)

Luiz Alfredo Ribeiro cultivava as conversas espichadas, dessas que, na medida em acrescentam detalhes e situações pitorescas, se afastam – perigosamente – do assunto principal. Quando parecia que não havia mais possibilidade de retorno, como todo ficcionista de talento, ele reencontrava o fio da meada e concluía o causo de forma impecável. Mais do que contar centenas de histórias bem-humoradas, ele fazia desse exercício uma brincadeira pessoal.

“Sou o advogado dos pobres, dos traficantes pés de chinelo, dos ladrões de galinha”, dizia entre risadas, sem se importar com os colegas engravatados e cheios de pose. Não sei se isso era (toda a) verdade, o que importa é que ele não gastava latim nas páginas das petições, tampouco esgrimia os códigos jurídicos diante dos juízes. A forma com que tratava o trabalho e aqueles que procuram por ajuda era a menos formal possível. Muitas vezes era com uma piada ou com gestos inesperados que conseguia obter resultados favoráveis aos seus clientes.

Tenho lembranças de sua presença nos extintos Lanchik, Café Ouro e Marroquinhos, muitas vezes na companhia dos advogados emblemáticos da época (Cid Couto, Luiz Valente, Rogério Castro, Herasmo Furtado, Max de Azevedo Coutinho,…). Frequentava A Sua Livraria, onde ia beber chimarrão, contar alguma anedota ou saber das novidades. Na famosa “reinauguração do sofá” do João Rath (14 de agosto de 1999) foi o responsável pelo foguetório, tarefa que cumpriu com o sorriso de criança que estava “fazendo arte”. 

Recentemente (mais ou menos) o encontrei várias vezes. Antes da pandemia, fui tomar café com Nereu Pereira de Lima no também desaparecido Pão de Pedro (Av. Belizário Ramos). Luiz Alfredo estava saindo do Fórum. Fomos caminhando até o cruzamento da Av. Presidente Vargas. Nesse percurso, menos de 300 metros, ele nos contou um das passagens que protagonizou no tempo em que morou em Imperatriz (Maranhão). Com perfeito domínio da arte narrativa, desenvolveu uma história hilariante, repleta de personagens caricatos, um padre ligado à Pastoral da Terra, uma mulher sem-terra (talvez amante do padre), o proprietário rural que invadiu terras devolutas e o sistema judiciário inerte. O relato, composto por passagens muito engraçadas, tinha reviravoltas quase inacreditáveis e uma riqueza de detalhes surpreendente. Obviamente, não revelei para ele que já tinha ouvido esse episódio em outra oportunidade, em versão ligeiramente diferente.

Em duas oportunidades, nos últimos meses, frequentamos a mesma fila do caixa do supermercado. Nessas ocasiões ele repetiu a pergunta sobre a idade do meu filho e criticou a edição artesanal de um dos livros que publiquei (dizia ter um exemplar). Na primeira vez, sem esperar pela resposta, emendou a conversa citando momentos de sua vida de “causídico” (como gostava de se autodenominar) no Tribunal de Justiça em Florianópolis. Na outra (a pouco mais de um mês), enquanto pagava pelas compras, dizendo duas ou três piadas para o atendente (que não parecia não entender o que estava escutando), em tom menos alegre, encerrou o encontro me dizendo que estava organizando um álbum de fotografias. Queria deixar para os netos um conjunto de lembranças que transcendesse o tempo. Ou melhor, que não fosse apagado pelo futuro.        

A vida – para Luiz Alfredo – era um imenso parque de diversões. E ele sempre estava extraindo o máximo dessa aventura. Sentiremos falta de seu humor estranho, subversivo.

Texto: Raul Arruda Filho

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