A prosa é essa, bem dianssim: – “Mazáá, ondié que vai tão atipado desse tipo, hóme do céu?” – “Vou festejar os 259 anos de Lages”

Bão que é um pêro, nada esgualepado. Não fique desacorçoado, aproveita e se larguemo tomá uma dose dessas Cachaça aqui do Tchê do Galpão pra nóis ficá bem facêro, hómê. Têm Bugio; Sassafrás; Miscapo; Bença, Padrinho; Tatu Mulito; Cruz Credo; Caraguatá; Beijo de China; Sartá os Butiá; Bah…caxi; Cangibrina; Coxilha Rica; Sepé Tiarajú; Perigosa; Canelada; Suco de Sogra; Garçom Bonito, e Pitangueira
“(…) Falar lageanês é reconhecer toda a diversidade de povos que formaram nossa cidade e região.” Adilson de Oliveira Freitas
“Temos de pensar a linguagem em duas maneiras. Uma é aquela formal, a escrita, e a outra é a falada. Ambas são corretas, da mesma forma que cada uma delas tem aplicação. É importante aprender o português formal, mas, é mais importante manter, preservar o coloquial, e integrar, pois a partir desta maneira de comunicar que nos identificamos como sujeito serrano, como pessoa pertencente a uma região.”
Este jeito de dialogar é mais do que costumeiro em Lages. É a sua maneira de se comunicar entre o povo da terra e com quem gente de fora também, mesmo tendo que explicar o que está querendo dizer. Quem nunca chegou no Guairacá cartiá uma sinuca e se atracou a jogar que nem louco? Ou acarcou o número de algum andar do elevador do Edifício Centenário para visitar um amigo de longa data? E, ainda, correu para não perder a circular no Terminal e quase tropicou na calçada na descida do Oba Oba e quase caiu em frente à Casa Leão?
Originalidade. Popularidade total. Múltiplas reações, interjeições, ironias, deboches, sarros, provocações, elogios, críticas, qualificações, espantos, causos, piadas, lendas, feitas e contatos. Ritmo no jogo de palavras. Fonética exagerada na pronúncia das últimas sílabas das palavras, esticando bem o som. Sem preconceitos, sem chulismo, sem comparar à linguagem erudita. Mas, sim, ressignificar o olhar e entender ser este o nosso meio de linguagem para cumprimentar, de despedir, solicitar, indagar, desabafar, comentar, observar, reclamar, torcer, comandar, liderar, responder, argumentar, namorar. A linguagem em seu estado natural, primitivo.
Dentro de casa, no colégio, na faculdade, na academia, no trabalho, nas festas. Não importa. Este é o linguajar lageano nosso de cada dia. O modo de dizer, dizendo.
A série especial de matérias comemorativas ao aniversário de Lages em 2025, intitulada “Especial Lages 259 anos: Nosso Orgulho Lageano ❤️ ”, em homenagem ao município mais populoso da Serra de Santa Catarina, com seus mais de 172 mil habitantes, um dos mais belos da região Sul do Brasil e um dos mais promissores na economia, a Princesa da Serra, fundada em 22 de novembro de 1766, traz sua quinta exibição e celebra o linguajar lageano e seu vocabulário único.
Bão que é um pêro
Esgualepado
Desacorçoado
Piá véio
Hóme véio
Muié véia
Carque ficha
Asssssinhóra
Hóme do céu
Sarte loco
Pinche fora
Acarque
Carcule
Minhazarma
Mas credo
Não me aléje
Pexada
Piriga
Me repuna
Periga
Tréche
Vamo trechá
Não se astreva
Mazumeno
Puizóia
Quedelhe?
Diéque vai uma zóra dessa?
Mas, porquiera?
Mazoquiera?
A forma de falar, em Lages, é considerada um dialeto de verdade ou simplesmente consiste apenas em um comum uso de gírias e palavras adaptadas? Se pensar que o dialeto se refere a características de um idioma, pode-se considerar inúmeras especificidades no jeito de o lageano se comunicar. Este muitas vezes está atrelado a um português mais arcaico. “Importante compreender que cada lugar tem seu modo de falar e expressar, e a maneira como é verbalizado diz respeito ao contexto. Neste sentido, o ser e estar determinam as práticas culturais que influenciam e se materializam na maneira de comunicar (falar)”, explica Adilson de Oliveira Freitas, ator bonequeiro, contador de histórias, griô aprendiz, educador popular formado na Escola de Pedagogia Griô e, como ele mesmo se descreve, “mentiroso nas horas vagas”.
Adilson Freitas, e o pesquisador, produtor cultural e artista, Gilson Máximo de Oliveira, da Associação Cultural Matakiterani, dão vida ao interpretar os personagens Grilo Seco e Testa de Lampião, duas figuras serranas fictícias do folclore de Lages e da Serra Catarinense.
Mas, e de onde vem este jeito lageano de falar?
De acordo com o especialista cultural, este jeito de falar está atrelado ao encontro de culturas. “A região de Lages sempre foi lugar que recebeu muitos andantes; estamos em um corredor com muita circulação de pessoas e diferentes grupos. Pela constituição da povoação do território, nosso jeito de falar está ligado aos povos originários indígenas, tropeiro paulista, os negros escravos. Isto tudo facilitado pelo caminho das tropas, o que sempre foi fator de troca e fluência de cultura. Ainda década de 1950 temos os colonos italianos e alemães que vieram com o ciclo madeireiro”, pontua Adilson.
Quais os povos e etnias formam a população de Lages?
Povos originários indígenas Xokleng e Kaingangs, negros escravos, paulistas portugueses e muitos outros grupos que circulavam pelos caminhos de tropas. Na exploração da madeira há os colonos italianos e alemães.
As palavras “alageanadas”
Como cultura, a palavra e a linguagem estão em constante transformação, ligadas à memória e a vivências culturais. A cada tempo são elencadas palavras e termos que podem ser mais utilizados, e estes acompanham o seu tempo e seu povo sempre alternando, ou seja, “o que hoje pode ser dito, amanhã pode ser esquecido, mas vem outra palavra, outro termo no lugar”. Já no Estado vizinho, Rio Grande do Sul, o dialeto gauchesco é contagiado por espanholismos.
Reflexão relevante inerente ao falar lageano
“Temos de pensar a linguagem em duas maneiras. Uma é aquela formal, a escrita, e a outra é a falada. Ambas são corretas, da mesma forma que cada uma delas tem aplicação. É importante aprender o português formal, mas, é mais importante manter, preservar o coloquial, e integrar, pois a partir desta maneira de comunicar que nos identificamos como sujeito serrano, como pessoa pertencente a uma região. Este (coloquial) fala de nossas origens e nossa cultura.”
A oralidade nossa de todo dia
“Como referido, é necessário compreender a linguagem oral no lugar da oralidade e da escola formal no lugar da escola formal. Cada uma tem seu espaço e ambiente. Ambas carregam no seu jeito sua cientificidade e complexidade. Mas, pelo fato de mantermos práticas mais voltadas ao caboclo, esta relação com o interior cria espaços de manutenção desta tradição, fazendo com que se mantenha e se preserve.”
Lageanês falado por todos
“Aqueles que estão na região e expressam o seu ambiente cultural automaticamente vão falar. O que é importante é a gente não usar de forma pejorativa e preconceituosa os termos locais e maneira de falar. Temos de ter orgulho, pois esta fala é de fato da nossa identidade, da nossa formação; fala sobre um encontro de cultura; não somos gaúchos, italianos. É preciso que a gente reconheça nossa identidade e pare de importar a cultura alheia como sendo nossa, ou em nome de uma anular toda a diversidade que temos. Falar lageanês é reconhecer toda a diversidade de povos que formaram nossa cidade e região.”
Na companhia de amigos e parceiros, na mesa de sinuca a gente se sente mais à vontade: A tradição da comunicação entre amigos no popular Bar Snoker da rua Manoel Thiago de Castro
Em 2026 vai fazer 50 anos que ele está ali, no mesmo lugar, no mesmo endereço. Cativa os homens da cidade, os jovens e os mais velhos, tanto os que residem nas casas e apartamentos da região central, quanto os que pegam ônibus na linha de seus bairros em busca de diversão nas tardes da semana e manhãs de sábado, aproveitando o tempo com os amigos de velha data e os mais recentes para conversar sobre as últimas notícias da cidade e do Brasil, casos policiais, pescaria, futebol, Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil, Copa do Mundo, esporte em geral, filmes, economia, política, governo, eleições, carros, motos, relacionamento, passado, aposentadoria, apostas, loterias, Mega Sena, ações da Prefeitura, e as boas e não menos lembradas, fofocas. Além de assinar e esperar correr as frequentes rifas de frango ou churrasco de gado ou com as finalidades de ajudar festas de igreja financeiramente ou pessoas com problemas de saúde.
Bar é lugar de reencontrar os amigos toda semana, ou todo dia, para bater aquele papo, jogar baralho, canastra, cacheta, dominó.
Quanto tem, cantar no karaokê sem se preocupar com desafinar ou pontuar, somente ser feliz. Se não tiver Karaokê não tem problema nenhum, é só alguém levar um violão que moda de sofrência qualquer um sabe pelo menos umas cinco.
Na vitrine do balcão de um bar é comum ver os petiscos e aperitivos em conserva com sabores fortes e que o povo gosta, como ovos de codorna, azeitonas e rollmops, de origem alemã, o peixe com cebola Romulus. Para alguns, o cigarro incrementa a distração.
O Bar Snoker, instalado à beira da calçada na rua Manoel Thiago de Castro, à direita, sentido rua Hercílio Luz, atravessou mais de quatro décadas de existência e guarda uma bagagem intacta pelo tempo, dotada de afetividades. São 49 anos na ativa, na rua desde 1976. No passado havia um outro bar de propriedade da família, exatamente ao lado, porém, hoje em dia é onde funciona uma loja de variedades.
Isaulino Cardoso Filho, carinhosamente chamado de Filho pelos clientes e amigos, está tocando o negócio familiar há 30 anos, de todos os seus 62, lado a lado com o pai, Isaulino Cardoso, de 86 anos. Seu Cardoso, o fundador do comércio, está à frente do Bar há bem mais tempo.
Basicamente, três atrativos fazem o Bar ser um sucesso. Nada de enfeite, ou garrafas de bebidas luxuosas expostas nas prateleiras, geladeiras de cervejas de marcas atuais ou mesas com vasinho de flor. O sistema é bruto. O forte do Bar é a mesa de sinuca, gasta de tanto ser usada; a máquina de música (jukebox) – aparelho eletrônico acionado por moedas, dinheiro ou cartão que tem por função tocar músicas escolhidas pelo cliente, que estejam em seu catálogo – e, claro, as bebidas simples que todo senhor que sai de casa para passear em bar gosta. A líder nas vendas é a cachaça, a purinha mesmo.
Nada de televisão e muito menos partida de futebol na TV ou no rádio, porque estes aparelhos podem divergir a atenção e o pessoal não conversar, não interagir. Não se ouve a voz de ninguém, nem a gargalhada da rapaziada.
Isaulino é carismático e atende as pessoas com sorriso no rosto já lá na rua, antes de entrarem no seu estabelecimento. “A gente faz muita amizade por aqui. O comércio ajuda nisso. Tenho grande amigos por causa do bar”, admite Filho.
E em um assunto todos os lageanos são unânimes. Só lageano raiz, faca na bota, apotreado, para falar lageanês e entender lageanês. E um bar é um espaço que dispensa comentários quando o tema é gargantear, rir alto, gritar, acenar. “Eu acho bem legal o jeito que o lageano se expressa, conversa com os conhecidos e com os estranhos. Hóme véio, piá véio, são típicos. Uns termos que eu acho curioso e engraçados são o ‘volto logo’, ‘volto depois’, e às vezes nem volta”, brinca Isaulino Filho.
Natural de Rio do Sul, no Alto Vale do Itajaí, mais lageano impossível. Rio do Sul é referencial pela indústrias têxtil e metalúrgica e comércio, e faz divisa com Laurentino, Agronômica, Aurora, Lontras, Ibirama e Presidente Getúlio. Isaulino veio embora para Lages com os pais ainda pequenininho, com sete anos de idade. “Eu simplesmente adoro Lages. Não troco por cidade nenhuma.”
E você, ficou com vontade de conhecer o Bar Snoker?
O atendimento é de segunda a sábado, das 9h30min às 18h, e aos sábados, entre 9h e meio-dia.
O “Tchê, Mas que Tal” mais bagual de Lages: O simpático gaúcho lageano Romualdo Bohrer sabe muito bem como é o lageanês
Quem sobre as escadas do Restaurante Galpão Gaúcho na avenida Duque de Caxias para degustar um saboroso jantar ou almoço aos domingos já avista aquele senhor de barbas longas, olhos azuis e um sorrisão largo no rosto. A fatiota campeira é de lei: Bota, bombacha, camisa, lenço e chapéu para recepcionar os clientes à altura do que ele imagina que merecem. É gente de todo canto; de Lages, Painel, Cerrito, Florianópolis, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Argentina, Chile, Paraguai, Estados Unidos.
Na simplicidade da companhia, prima pela experiência única em um lugar com este perfil exclusivo, e propõe o aconchego de um galpão do sítio ou da fazenda. Um espaço em que a arquitetura decoração e serviços estão aliados à cultura sulina e à gastronomia regional.
O preparo do Restaurante é minucioso para oferecer momentos ímpares em uma viagem pela cultura lageana e da Serra. Singular o conjunto dos cenários, com decoração de ambientes com artigos dos tempos rurais do vovô e da vovó – itens tocados à manivela, bules e chaleiras de antepassados, máquinas de escrever antigas -, culinária à base de pinhão e churrascos com carnes de primeira qualidade, as “bebidas fortes” e sobremesas lindas, como arroz doce, sagu, doce de moranga, doce de figo, doce de gila, ambrosia, Chico Balanceado, pudim, mousse de chocolate e de maracujá, e pavê de chocolate, e as vestimentas gaúchas. Tudo aprontado com todo amor por Lages, pela sua história e pelas pessoas.
O fascínio por Lages e pela Serra Catarinense é tanto que no salão do Restaurante está disposto um expositor com as Cachaças do Tchê, 18 tipos de bebidas típicas atizanhadas, batizadas com nomes bem lageanos: Bugio; Sassafrás; Miscapo; Bença, Padrinho; Tatu Mulito; Cruz Credo; Caraguatá; Beijo de China; Sartá os Butiá; Bah…caxi; Cangibrina; Coxilha Rica; Sepé Tiarajú; Perigosa; Canelada; Suco de Sogra; Garçom Bonito, e Pitangueira.
Romualdo Bohrer, sua esposa Elisiane Padilha Bohrer, com quem é casado há 43 anos, e a família de filhos artistas, Romualdinho, Letícia, Bernardo e Pery, são os anfitriões. Romualdo é pai também de Patricia.
O empresário, cantor, compositor, instrumentista, músico e motociclista, Romualdo Bohrer é gaúcho de Santo Ângelo, Capital da Região das Missões, e é apaixonado por Lages. Dos seus 66 anos de idade, os 20 mais recentes estão sendo vividos na sua cidade do coração, Lages. “Eu e minha família amamos Lages e todas as coisas sentimentais e materiais que esta cidade nos proporcionou. Inúmeras aventuras registradas no coração e histórias para contar aos nossos visitantes e aos netos. Quando cheguei em Lages, há duas décadas, observei que o dialeto do lageano tinha um formato diferente e, ao mesmo tempo, interessante. Cataloguei muitos deles – dos vocábulos – e compus uma música que está numa das Sapecadas (Festival da Festa Nacional do Pinhão). O nome dela é ‘Num Estilão bem Lageano’.” A letra está na Galeria de Imagens desta matéria especial.
Obrigada, Tchê, por ter escolhido Lages para escrever uma história tão inspiradora no modo como conduz sua família, e nas artes, música, preservação da cultura e empreendedorismo. Lages tem orgulho de vocês! Ficou lôco de bom!
Série Especial Lages 259 anos: Nosso Orgulho Lageano – Textos por Daniele Mendes de Melo
Fotos gerais: Fábio Pavan
Fotos Romualdo Bohrer e Elisiane Padilha Bohrer: Arquivo pessoal/Divulgação
Arte letra “Num estilão bem lageano”: João Francisco Custódio Maciel




